quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O Embaraço das Meias Furadas

Acordei entusiasmado, e não era para menos. Tinha uma entrevista de emprego marcada para as primeiras horas do dia. Tomei o meu habitual banho e, como era de se esperar, seleccionei a melhor roupa do meu guarda-fato. Decidi vestir o meu terno Giorgio Armani, que meu tio me comprara na Itália quando lá visitou ano passado. 
Sempre soube que as mulheres levam muito tempo para se vestir. Mas, confesso que hoje me senti como uma dessas mulheres, que levam horas a fio fazendo a maquiagem em frente ao espelho. Duas horas depois, estava eu já todo trajado. Aliás, faltavam-me vestir as meias para de seguida estrear os meus sapatos novos que a minha mãe me oferecera no meu aniversário.
Inclinei para tirar o único par de meias que eu guardara na última gaveta da cómoda. Quando tirei, notei que as mesmas estavam furadas. – Oh, o que é isso? – gritei inconformado, mas nada podia fazer. Os ratos já tinham dado cabo de todas elas. 
Os ratinhos tinham roído as meias fazendo com que os meus dedos ficassem todos à vista. Aqueles pequenos mamíferos me tinham pregado uma partida!
Pensei em cosê-las de forma a minimizar o dano causado pelos ratos. Porque eu gastara, porém, muito tempo em frente ao espelho e para evitar um eventual atraso, decidi sair mesmo com aquelas meias furadas.
– Ninguém vai notar. Quem pode ver meias estando elas no interior de sapatos? – Pensei, conformado com a situação. 
Enquanto saía de casa em direcção à paragem dos transportes públicos, recebi elogios de toda sorte: 
– Está lindo querido! – bradavam as minhas vizinhas em delírio.
Tomei o primeiro "chapa" que me apareceu e meia hora depois estava já bem perto do local onde se marcara a entrevista. 
Para o meu infortúnio, um carro passou em alta velocidade na rua pela qual eu seguia, onde tinha águas paradas, fazendo com que os meus sapatos ficassem molhados e grudados de lama. 
Dirigi-me às pressas até à esquina onde habitualmente os polidores fazem os seus trabalhos. 
- Que bicha! - Vociferei ao ver tanta gente que lá esperava polir os seus sapatos.
Aproximei-me.
De súbito, reconheci um dos polidores de sapatos, o meu vizinho Mutarara. Mesmo assim, continuei no meu cantinho aguardando que a minha vez chegasse.
De repente, ouvi uma voz chamando pelo meu nome… Era ele, Mutarara. - Vem cá, por favor, não precisa cumprir a bicha. - Disse procurando-me ajudar. 
Me acheguei todo confiante. 
Contei-lhe o que me acontecera e ele logo se prontificou a limpar os meus sapatos. Respirei fundo, pois já estava muito atrasado à entrevista.
Estiquei o meu pé, colocando-o sobre a caixa na qual Mutarara pule os sapatos. 
Todos olhavam para mim e não entendiam o por quê de eu ser o primeiro a limpar os sapatos, uma vez que tinha sido o último a chegar naquele local. 
Murmuraram.
Com ares de superioridade, lancei um olhar de desprezo aos homens.
– Ele é um boss, é só olhar para a maneira como está vestido. Meu brother, na vida manda quem tem dinheiro. – consolavam-se.
Chiando, ajeitei a gravata e fingi não lhes ouvir. 
– Amigo, tens de tirar os sapatos para que eu os possa melhor limpar. – Informou-me afavelmente o meu vizinho. 
– O quê? - Questionei desesperado. 
– Eh, é isso aí. Os sapatos estão muitos sujos e só posso limpar caso os tire dos teus pés. 
– Não dá para limpar... nem terminei a frase e Mutarara já abanava negativamente a cabeça. – Não dá, camarada. – frisou. 
– Hei, tira logo os sapatos, pois também estamos a espera. Tira lá isso aí. – Ralhavam impacientes os demais clientes. 
Não podia ir à entrevista com os sapatos sujos, afinal, a maneira como nos apresentamos conta bastante para o nosso êxito na avaliação.
– Mermão, tira logo isso. – ordenou um cliente já com cara de poucos amigos.
Sem opção nenhuma, tirei vagarosamente o primeiro sapato todo envergonhado. Notando que a minha meia estava furada, os homens que atentamente me observavam puseram-se a gargalhar. Quis sumir naquele momento. 
Sentindo medo dos homens que me ameaçavam, Mutarara emudeceu-se. 
– Agora tira o outro! – Diziam os clientes em jeito de gozo. Tira logo pah! – determinou um deles já com os punhos cerrados. Com medo, obedeci.
Na sequência, os homens puseram-se a rir até lacrimejarem.
Por fim, nem limpei sapatos, nem fui à entrevista.

MUSSA CHALEQUE

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