sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Do Conflito Político-Militar à Crise Económica

Foto: Google
Moçambique passa actualmente por um momento difícil. O conflito político-militar que vem se alastrando no país desde 2013 periga a paz conquistada com muito suor e derramamento de sangue, depois de 16 anos da guerra civil entre o governo da FRELIMO e a RENAMO. O conflito armado teve o seu fim graças às negociações desencadeadas, durante algum tempo, entre as duas principais facções, o que culminou com a tão desejada paz em 1992 com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz (AGP), em Roma. 
Alguns dos mediadores que no passado levaram o governo da FRELIMO e a RENAMO à mesa das negociações como é o caso de Mário Rafaelli, mediador-chefe dos AGP, estiveram em Maputo procurando que as partes chegassem a um novo consenso e que Moçambique voltasse a sonhar, sem temores de regresso à guerra. No entanto, por razões não muito claras, estes tiveram que abandonar o país suspendendo o diálogo e remarcado uma nova data – 8 de Agosto – para o seu início. 
A presença dos mediadores internacionais no país é resultado de um pedido de insistência da RENAMO a fim de que se chegue a um consenso no que diz respeito às exigências por si feitas. Os anteriores encontros, que tiveram o seu início há três anos, entre as equipas indicadas pela FRELIMO e RENAMO não chegaram a nenhum acordo satisfatório. A FRELIMO, porém, quase sempre mostrou-se indisposta a trazer tanto mediadores, assim como observadores à mesa do diálogo. Várias foram as rondas de diálogo havidas no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano encabeçadas do lado da FRELIMO pelo actual Ministro da Agricultura e Segurança Alimentar José Pacheco e o jurista Simone Macuiane chefiando a delegação da RENAMO.
O impasse político tem vindo a ceifar vida de milhares de moçambicanos quer de militares envolvidos nos combates, quer de civis.  Em relação a estes últimos, agências de informação internacional, assim como a imprensa nacional noticiaram, no mês de Abril, a existência de uma suposta vala comum com quase 120 corpos de presumíveis civis na zona de Gorongosa, província de Sofala. Os moçambicanos e as organizações da sociedade civil como a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos solicitaram algum esclarecimento em relação ao caso.
A repercussão deste caso “Valas Comuns” foi tão grande de tal maneira que, em resultado da pressão social, criou-se uma comissão parlamentar para investigar a existência das supostas valas comuns. No entanto, a mesma comissão veio ao publicar trazer resultados que não foram de agrado de muitos ao revelar a não existência das referidas valas, contrapondo-se às informações veiculadas pelos diferentes media nacionais, assim como internacionais.    
Até então, não se achou necessariamente uma vala comum, mas sim, mais de uma dezena de corpos espalhados pela mata, e isso propiciou o surgimento de um debate semântico de o que é realmente uma vala comum. Facto é que muitas vidas estão sendo ceifadas e o povo continua alvo de um conflito que mal entende a razão da sua existência. 

Empréstimos Secretos
No fim do mandato do antigo presidente da república, Armando Guebuza, o país contraiu uma dívida estimada em 850 milhões de dólares alegadamente investido na Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM). Este empréstimo foi e tem sido polémico pelo valor nele investido (quase um bilião para a pesca de atum) e pelo facto de até ao presente momento não haver nenhum impacto da actividade exercida por esta entidade. A altura em que o empréstimo foi contraído – fim do mandato – também é motivo de grande controversa, pois fica a impressão de que Guebuza arranjou "sarna para o seu sucessor se coçar". 
Este valor que não foi do conhecimento dos moçambicanos nem sequer teve anuência da Assembleia da República, não foi único que nos passou despercebido. Pois, tempo depois foi anunciado que o anterior governo investira, também, secretamente, 622 milhões numa outra empresa estatal denominada Proindicus, SA – empréstimo contraído junto de banca russa e suíça. Enquanto ainda se digeria o assunto das dívidas da EMATUM e da Proindicus, chega ao conhecimento público a existência de um outra dívida avaliada em 372 milhões de dólares, valor investido na empresa Mozambique Asset Management (MAM) alegadamente com o propósito de se construir e instalar um sistema de monitoria e protecção de toda a costa moçambicana.

Dos Empréstimos à Dívida Pública e as Suas Consequências
Em pouco tempo o país contraiu no seu todo, com os empréstimos da EMATUM, Proindicus e MAM, mais de um 1 Bilião de dólares de dívida e o actual governo chefiado pelo presidente Filipe Nyusi assumiu-a como dívida soberana, colocando todos nós na condição de avalista. Em consequência dos empréstimos secretos e o incremento ilegal da dívida pública, as instituições da Bretton Woods (Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) suspenderam financiamento a Moçambique, conforme intensamente os media noticiaram, deixando o país numa situação extremamente delicada. De Maio a esta parte, tem se verificando uma subida acentuada de preço dos produtos básicos, elevando deste modo o custo de vida. 
No mês de Junho, a Associação Moçambicana de Panificadores anunciou o agravamento do preço de pão que deveria vigorar a partir de 1 de Julho, provocando grande apreensão por parte dos moçambicanos, principalmente as camadas mais baixas que têm este produto como um alimento imprescindível na sua refeição diária. Em resposta a este anúncio, o governo, através do Ministério da Indústria e Comércio, conseguiu impedir temporariamente o aumento do preço do pão e tem vindo a estudar possíveis formas de evitar o seu incremento. Contudo, adivinham-se tempos difíceis e prevê-se que o actual governo não consiga assegurar por muito mais tempo a subida do preço do pão, assim como do transporte público.

Olhar Incerto ao Futuro de Moçambique
Com a descoberta dos recursos minerais, Moçambique passou a ser referência a nível do continente africano. Alguns estudos demonstram haver grandes quantidades de gás na bacia de Rovuma que, quando melhor for aproveitado, poderá contribuir para o desenvolvimento sócio-económico do país. Por que afirmar "(…) quando melhor foi aproveitado"? Sucede que há poucos anos foram descobertos jazigos de gás natural na província de Inhambane, concretamente, em Pande e Temane. Esse recurso está sendo explorado pela companhia Sasol e o mesmo é transportado por meio de gasodutos até a vizinha África do Sul onde o gás é refinado de forma a ser utilizável. Mas também, da república sul-africana retorna-nos o mesmo gás que nos é vendido a um preço relativamente não sustentável.
Depois do gás natural, "descobriu-se" o carvão mineral em Tete, Moatize, e companhias como a brasileira Vale começaram a explorar este recurso despertando à semelhança do que aconteceu com a descoberta do gás, grande esperança por parte dos nós, moçambicanos, que sonhamos em ver o nosso país desenvolvendo. Estudos e opiniões de algumas organizações da sociedade civil como, por exemplo, o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e o Centro de Integridade Pública (CIP) – duas organizações socais pró-activas no país – defendem a tese de que Moçambique não está ganhando o que se esperava por parte das explorações do gás e do carvão mineral. 
A descoberta dos recursos energéticos teve o seu ápice quando se anunciou a existência de grandes jazigos de Gás Natural Liquefeito (GNL) na bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado. O governo moçambicano tem estado a cooperar com companhias estrangeiros como são os casos da norte-americana Anadarko e a italiana ENI para a construção de um complexo de liquefacção numa zona identificada. Mais uma vez, paira uma grande expectativa em relação aos possíveis benefícios de que possam advir da exploração deste recurso. Com o projecto da construção do complexo de liquefacção, um outro problema eclodiu, inerente a (não) transparência do processo de reassentamento da população residindo na área abrangida pela construção da grande infra-estrutura.
Para mais info. sobre o Impacto da Industria extractiva em Palma, confira abaixo a reportagem.

Num momento em que se assiste a uma desenfreada subida do dólar e desvalorização do metical, sem perder de vista o incremento da dívida pública, uma das alternativas para que se aliviasse a situação da economia nacional, seria contar com o contributo das receitas geradas pelo mega-projectos. Mas será que os mega-projectos estão contribuindo significativamente no crescimento da economia nacional?
Segundo o economista, Carlos Nuno Castel-Branco (2008), A contribuição dos mega projectos para economia nacional está, obviamente, relacionada com o seu peso no investimento, emprego, produção e comércio. No entanto, a riqueza gerada pelos mega projectos pertence às corporações que os possuem e controlam e não à economia como um todo. 
Analisando a tese do professor Castel-Branco, pode-se notar, no país, que o seu no investimento local é reduzido, bem assim, os empregos por si gerados são ainda insignificantes e o mesmo sucede com as variáveis produção e comércio.
"Portanto, o impacto da riqueza produzida pelos mega projectos na economia nacional é relacionado com o grau de retenção e absorção dessa riqueza pela economia e não apenas pela quantidade de riqueza produzida. Quer dizer, o impacto da fundição de alumínio ou da exploração do gás e das areias minerais depende de como é que a economia retém e absorve parte do valor de produção e das vendas dessas empresas.”. 
Em suma, pode-se assumir que a actividades dos mega-projectos não está contribuindo significativamente  a favor da economia nacional e não nos pode aliar da actual crise económica na qual nos encontramos inserida. 

2 comentários:

  1. Bravo! Mas estou em duvidas se foi primeiro o gas de Inhambene que foi descoberto e nao o Carvao de Moatize. Me parece que o Carvao de Moatize ja havia sido descoberto muito antes. tenho uma Revista "Tempo" que pode consubstanciar isso.

    ResponderEliminar
  2. Caro Australopatetico, foi sim o carvão o primeiro a ser descoberto. Na minha dissertação fiz menção primeiro a questão do gás natural e de seguida referi-me ao carvão mineral tendo em conta a ordem de exploração desses recursos. Talvez eu tenha sido "inconveniente" ao usar a o termo "descobrir". Muito obrigado!

    ResponderEliminar